Cristiane mostra um dos exames realizados na rede pública do município que não apontou anormalidade (Foto: Jô Folha - DP)

Apesar da pilha de exames feitos nos últimos três meses, Cristiane Nunes de Andrade, 30, continua sem saber o motivo de tantas dores e sangramentos. E, pior: juntou à preocupação com a falta de diagnóstico a incerteza se, passado tanto tempo sem resposta, conseguirá fazer o tratamento ideal.

A moradora do Fragata é só um dos casos de mulheres que procuraram atendimento em Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Pelotas nos últimos cinco anos e estão apreensivas. Desde que a denúncia de irregularidades na análise exames pré-câncer surgiu, o clima é de total desconfiança. Afinal, segundo material enviado à Secretaria Municipal da Saúde (SMS) por profissionais de pelo menos uma das UBS, a Bom Jesus, no Areal, desde 2014 nenhum Papanicolau apresentou alteração. Bem diferente de todos os anos anteriores.

No caso de Cristiane, foram dois pré-câncer considerados normais. O primeiro feito na UBS Dom Pedro I, em abril. Com o resultado no papel destoando do que sentia, ela foi encaminhada ao Campus da Saúde Dr. Franklin Olivé Leite, da UCPel, que também presta atendimento pela rede pública. Novo exame, mesmo resultado: normal. “Me disseram que tinha algo, só que seria impossível dar um diagnóstico sem ter resultados de exames confiáveis”, conta.

A pedido da terceira médica que consultou, Cristiane realizou mais uma série de outros exames. Um deles, uma ultrassonografia, mostrou lesões no útero. Agora, sem exame citopatológico por não confiar na rede municipal, terá novo exame amanhã e possivelmente faça uma ressonância magnética. “Faz meses que os médicos dizem que tenho algo, mas os exames não mostram. Vou confiar em quem? Três meses é um tempo muito grande. Já pensou se é algo mais grave, um câncer?”, diz, preocupada com o tempo perdido.

Comissão deve investigar
Embora a Câmara esteja em recesso parlamentar até o começo de agosto, nesta terça (17) pela manhã a Comissão de Saúde da Casa fará reunião. Serão ouvidos o ex-coordenador do Samu, Marcelo Rodrigues da Rosa, e o ex-responsável pela frota de veículos do serviço, Pablo Nalien Gularte. Ambos irão responder sobre outra denúncia envolvendo a gestão da Saúde. Segundo motoristas, sob a coordenação de Gularte estariam ocorrendo desvios de combustível das ambulâncias e possíveis fraudes no pagamento de viagens e peças dos veículos.

No entanto, a reunião também servirá para que o presidente da comissão colete assinaturas para o pedido de instauração de uma CPI sobre os exames pré-câncer na rede pública municipal. Conforme o vereador Marcos Ferreira - Marcola (PT), oito parlamentares das bancadas do PT, PDT, PSB, PSOL e DEM já teriam confirmado apoio à investigação.

Secretária afastada
Na segunda (16), a Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) emitiu nota ressaltando preocupação com as denúncias e as possíveis consequências à saúde das mulheres pela ausência de diagnóstico correto. “O Papanicolaou é um exame fundamental para a prática médica e deve ser analisado minuciosamente por um médico patologista. Isso garante a efetividade do exame capaz de detectar lesões pré-malignas no colo do útero, ou mesmo o câncer em seu estágio inicial”, diz o texto. A entidade cobrou a responsabilização dos responsáveis e alertou o Ministério da Saúde sobre a estrutura precária de fiscalização que possibilitaria suspeitas como a atual.

Durante todo o dia a prefeitura evitou se manifestar sobre as possíveis irregularidades nos resultados dos exames. A prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) permaneceu reunida com a equipe avaliando a situação e possíveis medidas a serem tomadas. Somente à noite ela e o ex-prefeito Eduardo Leite (PSDB) anunciaram as decisões, já que as denúncias também envolvem o período do atual pré-candidato a governador à frente da administração municipal. A secretária da Saúde, Ana Costa, foi afastada do cargo e cerca de mil exames serão refeitos por um novo laboratório a ser contratado. Além disso, a prefeita anunciou a abertura de sindicância e orientou todos os vereadores da base do governo a apoiarem a abertura da CPI.

"Assumi interinamente a Secretaria da Saúde e coloquei a secretária Ana Costa em férias para poder verificar de perto. Vamos buscar a contratação de outro laboratório para verificar em torno de mil exames, que é um número significativo e pode dar segurança sobre o processo", afirmou Paula. Segundo ela, nesta terça serão feitas reuniões com o laboratório e o Ministério Público para que sejam feitas apurações sobre a suposta fraude.